16.10.06
O Pseudo-Cosmopolitismo Linguístico dos Portugueses
Há uns tempos que ando com a ideia de escrever aqui algumas notas a respeito desta mania de os portugueses salpicarem os seus discursos, a propósito e a despropósito, com palavras estrangeiras, principalmente inglesas ou com expressões, ainda que portuguesas, de sintaxe copiada da Língua Inglesa.
No geral, isto é feito com grandes laivos de presunção e de suposta auto-valorização ou auto-promoção. Não há por aí cão nem gato que não solte a toda a hora o seu «é suposto que», o timing, o trade-off , o balanceamento, o site/sai-te, o off the record, o low profile, o leadership, win-win, o quick win, o kick off, o spread, o skill, o lifting, o piercing, o feeling, etc., etc, como se estes termos não tivessem tradução possível no Português, nem a nossa Língua dispusesse de termos equivalentes para traduzir o seu significado.
Só em raros casos, em particular nos relacionados com as inovações tecnológicas, isso é verdade, embora com algum conhecimento e engenho bastante, certamente seja possível descobrir no Português esses aparentemente difíceis termos equivalentes. A forma desleixada como damos por vencedora a tese da inexistência da equivalência desses termos no nosso idioma assinala a falta de orgulho ou atitude de submissão perante tudo o que vem de fora, logo assumido como melhor ou superior.
Esta nociva atitude dos portugueses assenta, em primeiro lugar, num manifesto grau de incultura, de grande desconhecimento daquilo que é português, a começar no idioma, em geral mal falado, mal escrito, mal pronunciado, mesmo por aqueles que, por profissão, estão obrigados a usá-lo com propriedade e correcção, desde logo, os jornalistas, os locutores da Rádio e da Televisão, comentadores e analistas da genérica Comunicação Social.
Um pouco de atenção e pudor por parte dos responsáveis desses serviços poderia operar a desejável transformação.
Na oralidade, surgem agora manias diversas como pronunciar as siglas à inglesa. Assim, o antigo MIT, até há alguns anos dito m-i-te, passou a dizer-se à inglesa ou melhor à americana : éme-ai-ti . Veremos se o mesmo irá suceder com a CIA, para passar a dizer-se : ci-ai-ei.
O mesmo poderá acontecer com o FBI - éfe-bi-ai -, a NATO - nei-tou, que já foi OTAN, como ainda hoje é para nuestros hermanos, e outras patetices do género, que traduzem, não um qualquer cosmopolitismo, mas uma execrável propensão para o servilismo, para a admiração basbaque perante tudo o que vem de fora, ao mesmo tempo que votamos ao esquecimento, ao abandono e à incúria um dos nossos maiores patrimónios, base da nossa mais profunda identificação cultural : a Língua, na qual, para Pessoa, residia a nossa verdadeira especificidade cultural, para ele uma espécie de Pátria.
Claro que os Professores dos vários graus do Ensino poderiam dar aqui uma ajuda forte, se se tornassem mais exigentes, primeiro consigo mesmos e depois com os seus alunos. Mas, para isso, seria preciso que o Ministério da Educação não os desautorizasse disciplinarmente, nem continuasse a parir esses absurdos terminológicos que só servem para espalhar a confusão, promover ideologias pseudo-vanguardistas que, invariavelmente, mais não visam que esconder profunda incompetência pedagógica, como recentemente se verificou com a divulgação da nova terminologia gramatical proposta para adopção nos graus de Ensino Básico e Secundário pelo Ministério da Educação.
Se os Professores e os alunos já andavam desorientados, com as sucessivas alterações curriculares que o ME tem produzido, agora ficaram mergulhados ainda em maior confusão.
Toda essa nova arrevesada nomenclatura em nada favorecerá a aprendizagem da Língua, primeiro objectivo que o Ministério deveria ter em mente, se ele próprio tivesse a dita em bom estado de sanidade.
Assim vamos, cheios de vento, no idioma como no resto, proferindo termos grandiloquentes, mas sem dominar regras básicas da velha Gramática, sem as quais as nossas crianças e adolescentes dificilmente conseguirão escrever português com clareza e correcção e muito menos inglês que, na verdade, bastante falta lhes fará na desabrida Globalização dos Mercados que terão de enfrentar.
Porém, desprezando a nossa cultura de origem, a nossa formação ficará sempre deficiente, envergonhando-nos perante a memória dos nossos antepassados que tão esforçadamente no-la legaram para que dela nos pudéssemos orgulhar, para que nela firmássemos a nossa dignidade de Povo soberano e independente.
É por isso nosso dever irrecusável estimar a nossa cultura, começando por respeitar a natureza da Língua que falamos, sem a desfigurar com a permanente introdução de estrangeirismos, sobretudo quando dispomos de termos equivalentes que os podem substituir com facilidade e vantagem. Basta que estejamos preparados para despender algum esforço intelectual nesse sentido.
AV_Lisboa, 15 de Outubro de 2006
No geral, isto é feito com grandes laivos de presunção e de suposta auto-valorização ou auto-promoção. Não há por aí cão nem gato que não solte a toda a hora o seu «é suposto que», o timing, o trade-off , o balanceamento, o site/sai-te, o off the record, o low profile, o leadership, win-win, o quick win, o kick off, o spread, o skill, o lifting, o piercing, o feeling, etc., etc, como se estes termos não tivessem tradução possível no Português, nem a nossa Língua dispusesse de termos equivalentes para traduzir o seu significado.
Só em raros casos, em particular nos relacionados com as inovações tecnológicas, isso é verdade, embora com algum conhecimento e engenho bastante, certamente seja possível descobrir no Português esses aparentemente difíceis termos equivalentes. A forma desleixada como damos por vencedora a tese da inexistência da equivalência desses termos no nosso idioma assinala a falta de orgulho ou atitude de submissão perante tudo o que vem de fora, logo assumido como melhor ou superior.
Esta nociva atitude dos portugueses assenta, em primeiro lugar, num manifesto grau de incultura, de grande desconhecimento daquilo que é português, a começar no idioma, em geral mal falado, mal escrito, mal pronunciado, mesmo por aqueles que, por profissão, estão obrigados a usá-lo com propriedade e correcção, desde logo, os jornalistas, os locutores da Rádio e da Televisão, comentadores e analistas da genérica Comunicação Social.
Um pouco de atenção e pudor por parte dos responsáveis desses serviços poderia operar a desejável transformação.
Na oralidade, surgem agora manias diversas como pronunciar as siglas à inglesa. Assim, o antigo MIT, até há alguns anos dito m-i-te, passou a dizer-se à inglesa ou melhor à americana : éme-ai-ti . Veremos se o mesmo irá suceder com a CIA, para passar a dizer-se : ci-ai-ei.
O mesmo poderá acontecer com o FBI - éfe-bi-ai -, a NATO - nei-tou, que já foi OTAN, como ainda hoje é para nuestros hermanos, e outras patetices do género, que traduzem, não um qualquer cosmopolitismo, mas uma execrável propensão para o servilismo, para a admiração basbaque perante tudo o que vem de fora, ao mesmo tempo que votamos ao esquecimento, ao abandono e à incúria um dos nossos maiores patrimónios, base da nossa mais profunda identificação cultural : a Língua, na qual, para Pessoa, residia a nossa verdadeira especificidade cultural, para ele uma espécie de Pátria.
Claro que os Professores dos vários graus do Ensino poderiam dar aqui uma ajuda forte, se se tornassem mais exigentes, primeiro consigo mesmos e depois com os seus alunos. Mas, para isso, seria preciso que o Ministério da Educação não os desautorizasse disciplinarmente, nem continuasse a parir esses absurdos terminológicos que só servem para espalhar a confusão, promover ideologias pseudo-vanguardistas que, invariavelmente, mais não visam que esconder profunda incompetência pedagógica, como recentemente se verificou com a divulgação da nova terminologia gramatical proposta para adopção nos graus de Ensino Básico e Secundário pelo Ministério da Educação.
Se os Professores e os alunos já andavam desorientados, com as sucessivas alterações curriculares que o ME tem produzido, agora ficaram mergulhados ainda em maior confusão.
Toda essa nova arrevesada nomenclatura em nada favorecerá a aprendizagem da Língua, primeiro objectivo que o Ministério deveria ter em mente, se ele próprio tivesse a dita em bom estado de sanidade.
Assim vamos, cheios de vento, no idioma como no resto, proferindo termos grandiloquentes, mas sem dominar regras básicas da velha Gramática, sem as quais as nossas crianças e adolescentes dificilmente conseguirão escrever português com clareza e correcção e muito menos inglês que, na verdade, bastante falta lhes fará na desabrida Globalização dos Mercados que terão de enfrentar.
Porém, desprezando a nossa cultura de origem, a nossa formação ficará sempre deficiente, envergonhando-nos perante a memória dos nossos antepassados que tão esforçadamente no-la legaram para que dela nos pudéssemos orgulhar, para que nela firmássemos a nossa dignidade de Povo soberano e independente.
É por isso nosso dever irrecusável estimar a nossa cultura, começando por respeitar a natureza da Língua que falamos, sem a desfigurar com a permanente introdução de estrangeirismos, sobretudo quando dispomos de termos equivalentes que os podem substituir com facilidade e vantagem. Basta que estejamos preparados para despender algum esforço intelectual nesse sentido.
AV_Lisboa, 15 de Outubro de 2006
Comments:
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Belíssimo artigo este. Parabéns.
E o pior são os tradutores de domingo que pululam por todo o lado. É a "ingenuidade" do artista, é a divisão "armada" do Exército alemão" e outras bacoradas com que os nossos ouvidos são agredidos constantemente. E vale a pena lembrar os artigos mais ou menos científicos que são publicados em revistas da especialidade e que não passam de traduções disfarçadas onde abundam frases construídas à inglesa (rato escondido...).
Um abraço
E o pior são os tradutores de domingo que pululam por todo o lado. É a "ingenuidade" do artista, é a divisão "armada" do Exército alemão" e outras bacoradas com que os nossos ouvidos são agredidos constantemente. E vale a pena lembrar os artigos mais ou menos científicos que são publicados em revistas da especialidade e que não passam de traduções disfarçadas onde abundam frases construídas à inglesa (rato escondido...).
Um abraço
Desta vez estás realmente de parabéns! Apesar de já ter ouvido este tema centenas de vezes e desejar mais outras tantas que mudes de assunto, não consegui parar de rir com este artigo! Estavas inspirado! No entanto não concordo muito contigo em relação aos termos científicos. Não fazes ideia da dificuldade que é aprender a trabalhar num AutoCAD espanhol(!. Ou se pensarmos em termos profissionais, a dificuldade para pessoas do mesmo ramo científico se entenderem em países diferentes! E lamento discordar, mas os nossos queridos "hermanos" não são de todo um bom exemplo ao traduzirem todos os filmes para a sua língua mãe assim como os próprios nomes de pessoas e bandas musicais. Desde "U dos" para os U2 (que em inglês faz sentido mas, por certo em castelhano não) a "las chicas picantes" para Spice Girls, ou mesmo "Las Piedras Rolantes" para ir buscar um exemplo mais próximo da tua geração. De resto concordo contigo e rio-me contigo também :)
Muitas saudades
Muitas saudades
Já agora, uma pequena estória que tem quase cem anos.
Por volta de 1910 o, então, muito jovem Aero-Clube de Portugal criou uma comissão encarregada de escolher as palavras portuguesas que, oriundas do francês, designavam mecanismos nos aeroplanos. Assim, para o, ainda hoje vulgar, «manche» optou-se por «timão».
Está claro que a ideia não «passou» e os elementos essenciais das aeronaves são conhecidas pelo aportuguesamento das palavras francesas.
Ficámos a perder e o Aero-Clube de Portugal também!
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Por volta de 1910 o, então, muito jovem Aero-Clube de Portugal criou uma comissão encarregada de escolher as palavras portuguesas que, oriundas do francês, designavam mecanismos nos aeroplanos. Assim, para o, ainda hoje vulgar, «manche» optou-se por «timão».
Está claro que a ideia não «passou» e os elementos essenciais das aeronaves são conhecidas pelo aportuguesamento das palavras francesas.
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